Almas

20161219

o que queres para o natal?

estamos fartos de sítios vazios. lugares que nos vão deixar um dia. sabemos que a vida é o passo antes da morte, e talvez por isso nunca saibamos qual o passo certo a seguir. gostava que os unicórnios se beijassem. na boca. gostava que o jardim fosse cor-de-rosa. e as casas. e as luzes. e as árvores. e as trevas. nunca soube responder o que queria no natal. talvez devesse ficar contente pelo facto de ter alguém que me quisesse dar uma coisa no natal. mas se aquilo que mais queres é inalcançável aos comuns puritanos, seria lógico perder a sanidade com artifícios materiais que me distraíssem do foco? se cortar os pulsos faz sangue, porque é que usamos isso para cortar a alma e ver se ela ainda sente? se cortar os pulsos funcionasse como cura então terminariam todos os problemas com um saco cheio de cicatrizes. nunca soube ler poemas. nem textos. daquele jeito bonito. nunca soube ser eu. aprendo a ser com os outros à medida que nasço. nunca entendi o que faço aqui. cada vez menos. se aquilo que planeei não é aquilo que tenho, então risco os pulsos e escrevo de novo. gostava que os unicórnios se beijassem. gostava de fazer amor com poemas e cortar as asas aos anjos. um dia o meu pai matou-me num pedaço de palavras soltas. para ele foi só comer sopa, para mim foi rasgar os pulsos. um dia a mãe cansou-se de ser forte e eu cansei-me de ser tudo. às vezes acho que percebo a mãe. às vezes acho que vou ser como o pai. uma noite vou ter um bebé nos braços e se não o partir em pedaços, vou dizer-lhe palavras bonitas. amor, não quero que ele rasgue os braços. amor, eu estou feito em pedaços e não sei como encher os sítios vazios. amor tenho frio. o próximo passo é cego, então. fico contigo?
 
kowo, o que queres para o natal? podem ser canetas.
kowo, o que queres para o natal? quero uma caneca.
kowo, o que queres para o natal? PORRA, podem ser poemas.
avô, só quero ler-te poemas.

Sem comentários:

Enviar um comentário