existem cores por baixo de uma
manta verde escura. cores há que não sei o nome a que respiram. se têm alma
própria, alimentam-se delas ou das cores de outro alguém? se pintasse um quadro
só saberia usar o negro, se pintasse uma alma só o quereria evitar. se um dia
saísse de noite e o céu tivesse cores que ainda não vi, talvez acreditasse ser
um prado de magia. queria saber onde moram os unicórnios. onde pousam as
borboletas. a que cheiram as joaninhas. e para onde vão as almas depois de
morrer. às vezes queria alguém capaz de me mostrar o mundo, que me soprasse ao
ouvido o relato da felicidade de tudo o que acontece. como um cego que precisa
de sentir para ver, eu precisaria escutar uma voz para sentir a vida que me
rodeia. os sons, o mar, as estrelas, os corpos. nus. quem não quer uma mão que
não nos larga? uma boca que não nos evita? um olhar que não nos cobra o
lamento? o silêncio. a vaidade. o anseio. a dádiva divina. e a fraqueza dos
homens. se conhecesse uma virgem, fingiria ter a força de um cavalo e a pureza
de um bebé. fingiria ser a representação do doce e o significado do belo
mascarado nas vestes de uma fantasia medieval. gostava de morrer deitado.
gostava de dormir agarrado a mulheres e homens e criaturas fantásticas.
confesso ser egoísta a mais para amar de menos. não me concentro em mim se
posso admirar os outros. se não domino a morte que me invade, necessito o
deleite de uma musa que me encha de vida. desconfio que sou um traidor do meu
próprio eu, deixo-me caçar pela mentira que sei que a é. emancipo os poderes da feitiçaria, rogo aos
desejos de um regaço abençoado. repouso, morena. deito-me, unicórnio, no teu
colo enquanto me mentes com o que cantas em tua alma. se fosses a encarnação de
Deus, fingiria ser o sangue da vida que combate o mal. a cura. a bondade. o
ouro, a prata e o branco no só mesmo elemento. quero sair ao entardecer e fazer
um gelado de nuvens. quero vir pra casa a correr e dar-to antes que derreta.
quero colher raios de sol e plantar luz onde houver sombras. quero tocar no teu
mundo e fazê-lo brilhar de novo. quero-te com luz e vida. e quero que me
recolhas o esqueleto por fim. que me guardes os ossos na tua memória e me
escrevas. que nas minhas ossadas risques o teu nome como se me possuísses. que
beijasses nos meus restos de pele e lá cravasses todas as tuas lendas mágicas.
tudo o que sonhas poderia ter lugar no meu corpo. e por fim o usasses de novo.
para curar tudo o que o negro pintou. que me pegasses no corno, unum, e o inocentasses
com desejos escondidos. perversos. solitários. quentes. molhados. posso dizer-te que me
uses. posso deixar que me laves a alma. posso pedir-te que me leves contigo
protegido pelas costelas que te guardam a vida. posso aprender magia e cavalgar
perdido no espaço das memórias que criarmos. quero ser mais feliz que Deus.
quero ser mais perfeito do que o belo. quero ser mágico e espalhar cores na tua
mente. encontrar-me contigo num céu cor-de-rosa, num fim de tarde de outono e
beijar-te a pele salgada onde mutilas a alma. dar-te as mãos onde transpiram
poemas e fazer de nós. dunas. versos. crianças. amor. unicórnios. realizar-nos
por fim, belos, unicórnios.
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