Almas

20130409

acto cego


salpiquei-a de água morna no seu corpo despido. cruzei-lhe a pele com as mão suaves que ela conheceu. percorri-lhe o corpo, frio, gélido de mágoas acorrentado de mistérios ocultos. beijei-lhe a alma com o mesmo sentido com que lhe tocava os ossos. dei-lhe carinho pelos cabelos e fixei-a nos olhos que brilhavam no escuro da minha noite. ela agarrou-me no pescoço e prendeu-me em gestos de pura melancolia. transpirava-me de felicidade inconstante em mordidas inconscientes nas feridas do meu pescoço. amava-me da maneira menos compreendida e eu amava-a da forma mais imperceptível. sofríamos em silêncio e guardávamos o melhor de nós para cada um do outro, mas cheirávamos já a morte em cada suspiro de paixão. ela morta e eu já meio cadáver das facas que me sangraram os valores mais intrínsecos. paralisados da morte do passado, eu deitado de cabeça nua e ela sem insistir adormecera sempre num sonho de negro véu. eu acordaria só, pois ela não existira nunca da forma que eu a julgava conhecer. fazíamos amor esquecidos do mundo e indefinidos de nós mesmos. não nos conhecíamos e ela nem sequer existira algum dia. talvez reflexo de um futuro no reino da solidão - vivido em tempos presentes do passado actual - uma imagem de uma alma que esteja pra chegar. e eu, é que continuo o único que nunca chegou, a ser a alma que prometera chegar. diferente. do negro que nunca partiu.

4 comentários:

  1. deixas quem te lê em lágrimas, mais um texto que raia a perfeição. fantástico

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  2. deixa-me em lágrimas, em parte porque sou demasiado sensível à literatura. É raro o livro/texto com o qual não choro ou me emociono :') e não agradeças

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  3. Por que é que és o único blog que me consegue pôr perto das lágrimas? Não sei porquê, ou melhor, acho que até sei, mas pareces ser uma pessoa sensível, observadora que consegue colocar em cada texto a alma e, acredita, é de louvar. Já te disse, mas não desistas de escrever, a sério!

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  4. arrepiei-me toda, brilhante, tão obscuro, tão delicado, tão perfeito!

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