ele era diferente dos outros. andava
de cabeça erguida e de alma em baixo. os ossos não eram fortes mas as costas
aguentavam todos os dias os pesadelos de uma vida efémera. os olhos não sorriam
nem brilhavam, mas eram molhados o suficiente para ver que ainda havia vida
nele. o coração batia, mas decerto não era à velocidade que devia, pois a morte
corria mais depressa do que aquilo que existia nele. os dias eram passados a tentar
viver o que os fantasmas não o deixavam. a sua pele não era branca, era da cor
do queimado com que pintava os dedos e desenhava os riscos mais rompidos da
saudade. um moreno que se confundia com o negro das olheiras e que eram o
reflexo das noites que ficavam por dormir, em que as histórias que o
atormentavam o deixavam suficientemente acordado para a alma não descansar. os
seus pés estalavam mais do que os ossos do resto do corpo, pois nos pés
estavam as marcas dos caminhos que ele fez para chegar onde estava. eram todas as cicatrizes das quedas e ossos partidos que a vida lhe decidiu marcar na certidão de óbito. as
cicatrizes do exterior não eram assim tantas quanto as reais, mas se alguém o
sabia ler por dentro percebia os cortes que nem o organismo teve coragem de coser. a sua boca
era fechada, não por mera fisionomia, mas sim por ser o símbolo da distancia
entre as palavras não proferidas e os sentimentos menos expressados. a ponte entre
o bem e o mal não proclamado. as suas roupas de mendigo, não eram de mendigo.
eram trapos em memória das pessoas que o levaram aquele estado. uma homenagem, apesar de não merecerem o
valor dos estragos e das estimas perdidas. trapos que não significavam nada
mais para ele, mas que o levaram às trevas, apesar de também o renascerem quando
o coração viu um novo amor. a sua alma era quente e as suas mãos gélidas, pois o
seu sangue estava na alma e não no corpo. era a alma que lhe alimentava a vida
e não o corpo que já havia morrido em tantas outras batalhas de amores
desiludidos, amores inacabados. apenas a alma sobrevivia na espera do seu mais
real amor, o único verdadeiro, que ainda viria nas suas réstias de esperança. nas suas réstias de saudade. nas suas réstias de futuro.
és tão diferente que seria capaz de me sentar a desenhar os contornos da tua alma para sempre. desenhá-los com palavras. e creio que a cada dia ia acrescentar um traço novo.
ResponderEliminarNão disse que eras a personagem do texto. Mas não é qualquer pessoa que escreve algo como tu e oxalá existissem mais assim, porque isso sim, é fantástico. Não me leves a mal.
ResponderEliminaroh, foi coincidência isso do título :) nem tinha reparado, confesso. E se a tua escrita fosse banal como dizes, porque perderia eu tempo a ler detalhadamente o que escreves?
ResponderEliminarNa minha opinião ele não era assim tão diferente.
ResponderEliminarbeijinho.
Adorei o blog!
ResponderEliminarestou seguindo