fecharam-no num cubículo para não
o ouvirem. nunca souberam ler-lhe as mãos para perceberem que era ele. quando
aprendeu a calar, soltaram-no do que o amordaçava e rezaram para que fizesse
barulho novamente. nunca o escutaram e agora pediam que falasse. nunca o
escutaram na sua dor, quando esta eram os registos da sua história. nunca o escutaram
e isolaram-no como um doente macabro. no inicio fingiam até se importar,
davam-lhe comida gasta e visitas rápidas porque o ritmo do tempo era demasiado
acelerado para as suas agendas preenchidas. mas tudo se desapega com o tempo.
as janelas passaram a ser pequenas e não lhe davam espaço para respirar o
exterior. apenas a noite o fazia imaginar-se fora da caixa a que foi
depositado, pois tal como o céu escuro, também as paredes escureciam no
ambiente fechado. de todas as vezes que via alguém apenas suplicava por tinta.
se ninguém o ouvia pelo menos as paredes poderiam registar as letras do que o
matava. mas nem isso. de tanto nada que lhe deram, nem um pedaço de carvão
foram capazes de lhe chegar. foi então, que com os talheres da comida gasta que
lhe chegava escassas vezes furou a pele que lhe cobria a alma. e com o sangue
da sua vida escreveu os capítulos da sua morte. um a um em cada pedaço de tela
branca das paredes que o atormentavam. a
sua vida era rotina, acordava de manhã cedo e fingia-se um monge. cantava em
risos doentios a um Deus que lhe confinava desejos insanos. com o avançar da
fome esquecia os cânticos de oração e batia nas janelas esperando alcançar do
mundo que não o deixava viver a vida que o alimentasse. mas nada chegava dia
após dia. para quê alimentar um doente, se assim poderia morrer mais depressa?
mordia os dedos e trincava a carne viva que lhe enganava o estômago. a fome era
tanta que nem a dor de comer o seu próprio corpo necessitava de anestésicos. horas
passaram e capítulos foram escritos, demasiados para as paredes existentes, mas
nada era impossível para um louco. as unhas que restavam dos dedos cozidos
picavam paredes riscadas como um apagador de memórias traduzidas pra letras.
aquela história foi escrita repetidas vezes sem nunca ter acabado, sem nunca
ter começado, sem tampouco ele ter noção. aquele espaço assaltou-lhe a mente demasiadas vezes,
roubou-lhe a sanidade que pouco restava e tornou-se num asilo de sentidos
perdidos à história da vida humana. aquele espaço era um coleccionador de
mentes, onde a porta se fechou um dia e nada mais se veria até ao dia em que
reabrisse. e nesse dia, no inicio do seu ultimo fim, quando a dor dos ossos já
não incomodaria mais à vida, quando as lágrimas voltassem a ser luz para os céus,
já nada mais importaria para aquele espaço, para aquele homem. apenas restaria
o sombrio no vazio das histórias que lá passaram. apenas o asilo de um louco
passaria a ser um não-lugar e tal como todos os loucos, quando são grandes são
tristes, quando são velhos morrem, porque em criança também morreram. antes de
nascer, já o lugar a que foram destinados escolheu a loucura das suas mortes, a
insanidade das suas histórias, os gritos da dor de quem os deixou morrer assim.
doentes, o homem e o espaço que ele habita. mortos. porque os lugares e os
homens só são recordados se quem os acompanhou continuar vivo quando morrem. e
com franqueza, ninguém acompanha os loucos na morte dos seus espaços, nem na
dor das suas vidas. por isso não são lembrados, por ninguém...
"ninguém acompanha os loucos na morte dos seus espaços, nem na dor das suas vidas." arrepiaste-me, e as palavras cairam-me ao chão. Todo esse sofrimento em vida e a morte não passa de um alívio. Para tamanha dor talvez fosse a morte a sua benção. nem sei o que te dizer kowo, tens uma visão tão tua de tudo isto que, nem sei...
ResponderEliminarlife sucks.
ResponderEliminarNão acho que a tua visão seja demasiado dramática, é apenas a tua visão e sou-te sincera, cativa-me e prende-me. Tu sim suspiras magia através de palavras, e digo-te, não sei quem tu és, mas fico imensamente feliz de ter encontrado o teu blogue. Não deixes de ser quem és, sejas tu decorado de negro ou não, não deixes de ser tu. És mágico.
ResponderEliminarNão agradeças :) Agora lembraste-me uma amiga que há muito perdi que costumava dizer-me que eu "reparava em detalhes onde mais ninguém os podia ver, talvez isso seja uma espécie de benção". Mas aceita o meu elogio, foi-te dado de coração.
ResponderEliminarOh, e deixa-me que te diga, não acho que sejas vulgar. Uma pessoa vulgar não possui a sensibilidade necessária para escrever o mundo da forma como tu escreves. És especial kowo, acredita em mim.
ResponderEliminaroh, céus, kowo, que assim derreto :3 Que bom que gostaste do meu texto, por vezes exagero na dose, mas julgo que é a minha maneira de ser, constantemente no limite. Muito obrigada! :')
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