cavou um buraco até não ver luz
do dia. a terra onde começou era já distante e o quente já havia fugido daquele
lugar. cavou, cavou, cavou...entreteve-se numa direcção oposta ao sentido da
luz e pensou que o mundo passara a ser só noite. cavava sempre mais fundo
achando que iria chegar a um lugar melhor do que aquele do qual partiu. virou
as costas aos dias de chuva e cavou a terra seca de água que as almas negras
haviam sugado. até que bateu em terra firme, um pedaço de espaço possuidor de interminável
força, anormalmente indestrutível. pela primeira vez um pedaço de terra lhe
enfrentava o desejo de fugir, pela primeira vez algo contrariou a sua vontade e
o obrigou a parar para sentir. já há muito tempo que o tempo passava em flecha,
entre a ocupação de cavar um túnel morto e o sono onde descansava uma alma só.
os dias que lhe ocuparam o tempo a cavar levaram-no ao fundo de um poço mascarado.
achou que o mundo o estaria a deixar realizar a sua vontade, até que um dia o
contrariou com um pedaço de terra mais forte. um pedaço que o obrigou a parar
de cavar e a terminar a distracção de todos os dias antes. o corpo teve tempo
para pensar como nunca havia feito. lembrou-se de tudo o que havia deixado quando
iniciara uma rotina dentro de um poço e percebeu o caminho errado que tomara ao
fugir da realidade. finalmente sentia o frio da ausência de outros corpos, a
solidão por nenhuma alma o visitar, a sede pela água que outros seres haviam
levado e a falta da luz dos dias que existiram antes de desejar a noite eterna.
pegou nas feridas do seu corpo e com a chama das suas lágrimas incendiou a alma
que adormecera há muito tempo. pegou no fogo e queimou os vivos sentimentos que
lhe arruinaram um caminho de volta ao futuro, mas do fumo que gritava em negro
ninguém sentiu o seu sinal de anseio. ninguém ousou ajuda-lo quando mais
precisava de acalmar o que pior inflamava nele. a sua voz chegou ao topo da
saída mas ninguém escutou a sua salvação. queimou. e das cinzas quase nada
restou, somente o pó em dor que ainda dói na alma e nem a esperança de uma nova
vida, porque essa só seria capaz de existir se um novo amor o tivesse salvo
daquele buraco. quando pôs as mãos no fogo queimou toda a pele. havia fechado
tantas vezes os olhos à vida que no final quando os abriu já só a morte o assistiu.
e deixou-se ir, de olhos abertos para a morte, tão abertos que já nada o faria perder-se do
caminho do bem. tão vivo ou tão morto, nem as fogueiras poderiam acabar com a
ponte entre ele e os anjos que o esperavam. um final tão negro quanto o fumo da
sua morte, mas tragicamente doce pois a vida ficou na alma que ama agora noutro
plano todos aqueles que são como ele. mortos-vivos à procura de luz, a luz que
vive neles e somente eles não a vêem. vivos.
céus, cheio de metáforas e deslumbrante, encantador, cativante... mas nunca aches que é o fim, uma vez disseram-me que "quando se chega ao fundo só se pode subir". É preciso começar de novo e sim, procurar aqueles que são como nós. Os únicos que entendem as nossas mágoas porque também as têm... oh, o fundo do poço e o inicio de um novo amor :') está lindo, lindo, lindo!
ResponderEliminarreli o teu texto e acrescento ao meu comentário uma frase que me tocou imenso: "as borboletas não podem ver as suas asas, nunca saberão o quanto são belas", porque a tua frase final me fez lembrar muito isso "a luz que vive neles e somente eles não a vêem.". um beijinho*
ResponderEliminarGostei. Gosto da forma como os teus textos melhoram e melhoram... :)
ResponderEliminarOh kowo, eu é que agradeço pela delicia de comentário :'D
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