um drogado que se larga na vida
conforme a morte o chama. o seu corpo não transporta nada, se já nem a alma
cabe nele. não adianta ter um rosto para mostrar numa sociedade que vive de
facadas no peito. e ele espeta nas veias o que a saudade lhe espetou nas
costas. eu conheço-o e tantas vezes sei dele, quantas vezes sei de mim. por
vezes sentámo-nos até na mesma cadeira enquanto ouvimos os corvos chorar.
outras vezes bebemos até o mesmo café, na mesma chávena, na mesma esquina onde
nos encontramos pela primeira vez. eu sei de mim, mas tantas vezes não sei
dele. por vezes sentámo-nos nas mesmas
cadeiras enquanto nos perdemos um do outro. outras vezes um quebra a chávena
enquanto o outro quebra a ressaca, na mesma esquina onde nos separamos pela ultima
vez. eu conheço-o mas as seringas que nos espetam o corpo são a diferença que
nos espeta o futuro. eu larguei-me à vida e só droguei a saudade desta vez. ele
larga-se à morte e droga só o corpo de todas as vezes. nem a saudade tem
saudade de nós. somos tão diferentes sós, mas realmente iguais se nos juntamos
no mesmo momento. cada um deles sente-se metade viva do outro, mas estão inteiramente
mortos como o amor que os juntou. por vezes parte de nós morre, para outra
parte nascer. por vezes apenas a coragem
nos serve para deixar morrer uma parte
de nós, por outras vezes uma parte de nós morre para servirmos de coragem. eu
deixei morrer uma parte de mim no dia em que o conheci e apenas uma parte mais
pequena restou no dia em que o matei. mas em todo o lugar que morre, um lugar
nasce, e no lugar onde ele morreu, uma parte de mim nasceu também. em todas
essas partes do que for, a droga terá saudade de me matar, mas eu terei sempre
coragem para viver depois deste amor que nos drogou juntos. sobrevivi e estou cá.
céus, fiquei sem palavras... coração nas mãos e de olhos em lágrimas, está aterradoramente belo
ResponderEliminarSe há uma palavra que possa descrever o que li é fantástico! Juro que gostava de conseguir escrever como tu, com tanta alma e com estes "trocadilhos" tão interessantes :) Longa vida ao teu blog!
ResponderEliminarPor vezes é preciso morrer, para voltar a viver.
ResponderEliminarBeijo.