Almas

20130307

ele


um drogado que se larga na vida conforme a morte o chama. o seu corpo não transporta nada, se já nem a alma cabe nele. não adianta ter um rosto para mostrar numa sociedade que vive de facadas no peito. e ele espeta nas veias o que a saudade lhe espetou nas costas. eu conheço-o e tantas vezes sei dele, quantas vezes sei de mim. por vezes sentámo-nos até na mesma cadeira enquanto ouvimos os corvos chorar. outras vezes bebemos até o mesmo café, na mesma chávena, na mesma esquina onde nos encontramos pela primeira vez. eu sei de mim, mas tantas vezes não sei dele.  por vezes sentámo-nos nas mesmas cadeiras enquanto nos perdemos um do outro. outras vezes um quebra a chávena enquanto o outro quebra a ressaca, na mesma esquina onde nos separamos pela ultima vez. eu conheço-o mas as seringas que nos espetam o corpo são a diferença que nos espeta o futuro. eu larguei-me à vida e só droguei a saudade desta vez. ele larga-se à morte e droga só o corpo de todas as vezes. nem a saudade tem saudade de nós. somos tão diferentes sós, mas realmente iguais se nos juntamos no mesmo momento. cada um deles sente-se metade viva do outro, mas estão inteiramente mortos como o amor que os juntou. por vezes parte de nós morre, para outra parte nascer.  por vezes apenas a coragem nos serve para deixar  morrer uma parte de nós, por outras vezes uma parte de nós morre para servirmos de coragem. eu deixei morrer uma parte de mim no dia em que o conheci e apenas uma parte mais pequena restou no dia em que o matei. mas em todo o lugar que morre, um lugar nasce, e no lugar onde ele morreu, uma parte de mim nasceu também. em todas essas partes do que for, a droga terá saudade de me matar, mas eu terei sempre coragem para viver depois deste amor que nos drogou juntos. sobrevivi e estou cá.

3 comentários:

  1. céus, fiquei sem palavras... coração nas mãos e de olhos em lágrimas, está aterradoramente belo

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  2. Se há uma palavra que possa descrever o que li é fantástico! Juro que gostava de conseguir escrever como tu, com tanta alma e com estes "trocadilhos" tão interessantes :) Longa vida ao teu blog!

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  3. Por vezes é preciso morrer, para voltar a viver.
    Beijo.

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