quero que morras. e ao de leve te desvaneças de mim. que largue a tua
dor, que me causada, impelida me rasgou. tenho uma alma partida e tenho pena de
mim. quero-te odiar. e sentir que não te devo nada. se em tempos me deste à
luz, nestes tempos, perdeste já o dom de me dar a luz. se alguma vez a deste,
terá essa única vez ficado incólume. desde aí nada mais há brotado se não a
fome, a guerra, a morte e a peste. e será esta última, a que nos preenche os
corpos quando encostamos os rostos para beijar. não é fome, mas é morte quando
os corpos se tocam e o frio invade os recantos mais profundos de um corpo que
guarda órgãos. desenvolvemos demasiado os sentidos, somos extraordinariamente
avançados para aquilo que o mundo nos pede. nos deixa ser. o mundo quer de nós
a caixa com a nossa profecia. tu queres de mim que me professe dentro de uma
caixa onde não caibo. se quero ser mais, desculpo-me comigo. se não queres ser
mais, desculpas-te comigo. o mundo são muitas desculpas para todas as guerras.
eu, cansei, de, ser um mártire das coisas bobas, das almas fracas, mas ainda
ofereço o meu corpo para a fome alheia. para que em mim explorem o significado
da peste. para que arranquem aos pedaços os meus sorrisos e assim venha a
morte. para que dentro de mim desmoronem os muros que tento segurar em sapatas
de saudades e afectos, oh a guerra e eu. se tanto me bombardeio sozinho. contra
mim próprio, e tanto não chego que ousas bombardear meu corpo com os restos que
explodem do teu. que angústia merecer mais do que o que se tem. desejar mais
vida do que a vida que há em si. gosto de ver coisas bonitas, mãe. gosto de
segurar nos pobres e ajudar os tristes, mãe. mas não a ti. canso-me de ajudar
quem de si não se mede, não se vê no espelho com medo da própria desgraça.
gosto de partir, mãe. de não ter horas para chegar, porque também eu nunca
chego. nunca parto realmente e nunca venho totalmente se me perco em vários
sítios. mãe, eu sou a desgraça que se amarra aos outros para que não se
desgracem sozinhos. sou um muro inútil que ruirá na esperança de ver os mortos
voltar. mas mãe, o egoísmo de se ser humano está na medida que escolhemos dar
de nós aos outros. escolher quais os outros que beberão de nós. tanto bebeste
de mim que me sugaste por anos. encontrei fontes de água e poços de luz e
preciso de os ver. vivos, mãe. amor, vivo. não tenho hora para chegar e por
isso morro lá fora. não tenho horas para partir e por isso nasço quando saio. é
a surpresa de se ser eu, inesperado eu. não pedi para nascer, não peço para
morrer, só não quero que doa, a vida, é claro. oh mãe. não quero que morras.
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