Almas

20160602

quantas vezes já morri?


apetece-me morrer de hoje em diante. e cavar a terra e enterrar os ossos. apetece-me esvaziar profundamente cada veia. e drenar pelos dedos, esvair-me ao longo dos braços até aos pulsos. apetece-me entregar hoje e esquecer-me. e esquecer-me do amor e do sentir. apetece-me subir ao resto de tudo e gritar  - "não sobrou nada". eu sei. que um dia me vais deixar. eventualmente. que vais seguir diante de mim e crescer. que o medo das asas quebrarem não será suficiente para te impedir de voar. eu sei. que um dia em diante partirás. junto de um pássaro maior. eventualmente. apetece-me cerrar os olhos e esquecer tudo o que em demasia me carrega. os demónios como devoradores da alma que se ergue entre os ceús. os fantasmas como senhorios do espectro carnal que nos sustenta. as fadas negras que meticulosamente nos enchem de ilusões frias e alimentos estragados. cheira a podre, "não sobrou nada", mas tudo o resto cheira a podre. encontras uma pestana e brincas ao destino. perdi. encontras outra. e ganhei. e o que são as tentativas de adivinhar o futuro? tentar enganar o destino com truques de crianças? se as nossas almas são assim tão velhas, qual das duas terá aprendido a viver melhor sem a outra? quem somos depois de nós? salomé. d'ouro. anjos e espelhos. margaridas. o meu avô ensinou-me coisas sem dizer, o cancro abriu-me os olhos. talvez me tenha ensinado tudo. ou quase tudo. penduro um sorriso na parede do quarto. quantas vezes já fui realmente feliz? a avó deu-me de comer...e isso quer dizer tantas coisas. o sol tem tantas cores e o tempo nunca se vê a passar. passa tudo tão...que já passou. passarás assim por mim? sem me dar conta de que irás? que aquilo que um dia é, um dia deixa de ser. gostava que um dia te apaixonasses por mim. talvez de novo. que desta vez já passou. podia ser um gigante, mas escolhi ficar pequenino para ti. podias voar longe, mas ainda estás presa por mim. tenho tanta incerteza de tudo, que crio certezas de nada. certezas de medo. de angústia. de frio. de desespero. o meu amor é uma dádiva e uma semente que cresce sem fim. apetece-me morrer. de hoje em diante. e arrancar-me da terra. parar de beber e pedir-te. cura-me. trata-me as pétalas. segura-me. sorri. como é que uma flor se suicida? arranca-se da terra para partir. seca-se num livro e sorri. torna-se uma memória. apetece-me morrer. quantas vezes já morri?

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