Almas

20130207

de que morte, de que vida

sentei-me naquele banco como os outros lá estavam. talvez a minha dor me permitisse sentar de um jeito que outros não conseguiam. piscava os olhos a cada partida que o corpo me pregava e engolia as lágrimas olhos dentro sem mais ninguém notar. tentar disfarçar o que sentia, distraía-me para não sentir o que os meus olhos pediam para ver. macas, batas e mortos. mortos, misturados com os vivos sem ninguém dar conta da leveza daquelas almas que já haviam partido. mas eu via. via as almas fugirem daquele antro, ancoradas aos pedaços de luz que avistavam entre o abrir das portas, das janelas, dos corações mais bondosos. paredes brancas e mórbidas de vómitos químicos de tanta saudade. vómitos químicos de tanta terapia. vómitos químicos de tanto cancro descurado. vómitos químicos. sem cura. aquele homem grita dor e ninguém o ouve? aquela vida está sem alma e ninguém a escuta? implorem-lhe uma agulha de morfina que lhe foda com as veias mas lhe leve o suor aos calcanhares. ninguém vê que tudo está perdido à espera de um Deus que não responde às chamadas deste mundo? ninguém vê que o nosso Deus não fala na mesma língua que nós? não foi isto que ele nos ensinou. amem-se nas migalhas do pão que ele deixou e bebam, que sempre houve vinho do Senhor para as nossas bebedeiras fieis. mas isto não é vida porra, estas doenças que nos consomem os dias dão mais vontade de matar do que amar o próximo. a mulher ao meu lado morreu enquanto a filha a largou um instante. talvez já estivesse morta antes, mas o calor de dois corpos juntos alimenta a ilusão de que a vida é mais do que isto. este puto sistema não funciona e a morte não espera por nós. nem a morte, nem a vida, que essa passa, puta e vadia, sedenta de mágoa para os melhores e artista de cinema para os maiores fantasmas. aquela criança não tem pai, nem mãe que a guiem. que lhe adianta berrar de tudo se ninguém se importa com o quê? nem eu me importo, nem eu porque não sou mais que ninguém nesta hora. este ambiente assusta mais que a própria morte. estas urgências deviam ser uma redoma que encobrisse uma floresta verde. se é para morrer pelo menos estes corredores já teriam o plano de fundo do paraíso. se é para morrer assim, de que adianta ter vivido feliz? os de quem privilegiaram de ter vivido feliz. de que adianta se a última memória que vai para a morgue é a de um corredor de desesperos? de que adianta, se o que nos consome é saber que os que amamos ficam infelizes no tempo do nosso eterno descanso? de que adianta morrer doente num túnel escuro de doutores e enfermeiros? de que adianta morrer? apenas morrer, se a vida não é mais do que um caminho que nos leva às paredes deste corredor, às luzes de uma carrinha fúnebre? de que adianta não adiantar a vida? a morte? o aDeus? o aDeus meus senhores, o aDeus não adianta porque é uma despedida eterna, é uma despedida para outro plano, o aDeus é uma despedida para o corpo gritar nunca mais. nunca mais ver. nunca mais sentir. nunca mais morrer. quem sabe, nunca mais.

7 comentários:

  1. De que adianta ter vivido feliz se a ultima memória é um corredor de desesperos? Essa é a ultima imagem, mas memórias, essas teremos tantas da vida que se teve feliz.
    Reli este texto e tem qualquer coisa nele que nao sei, me faz sorrir e pensar.

    Quanto ao meu texto, a pessoa de quem falo é o meu melhor amigo. O amor que tenho por ele não é, não foi e nunca será de namorados. Digo que é o homem da minha vida por ser a pessoa que é. Espero que ele volte a ser quem era e que realmente o texto não tenha depois, futuro. Mas custa-me a acreditar...

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  2. Todas as pessoas, desde 2008, quando o conheci, que tambem confundem o sentimento que eu falo do sentimento que eu sinto. É que eu quando amo alguém, amo mesmo com o coração e eu sei que muitas vezes pode confundir.

    Não, não é por ser estuúpido. É por serem filosofias diferentes, formas diferentes de ver as coisas que me faz pensar o quão podes ou nao ter razao em x ou y coisas. Entendes? Não acho estupido a forma como as pessoas pensam.

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  3. Parece mesmo que falo de um ex? Eu não consigo ter essa noção...talvez me estejas a fazer perceber o porquê de estarmos afastados. Mas whatever quanto a isso.

    Tu usas palavras nos textos que eu não usaria. És muito tu no que escreves, pelo menos é o que eu sinto. E acho que para teres escrito algo deste género, já deves ter passado muitos momentos nas urgencias, nesses corredores. Porque a forma como escreves parece tao real..e é isso que me faz pensar.

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  4. Apenas pensei que ele me conhecia, nos conhecia, o suficiente para saber qual o amor que temos. E que o conseguia explicar à pessoa que tem. Mas acho que me enganei em mta coisa. ;)

    Viva à imaginaçao. Mas parece que temos opinioes diferentes porque eu acho que imaginas as coisas de uma forma correcta. Acho que se realmente formos a ver umas urgencias, de algumas cidades mais "preenchidas" nos iamos deparar com muito do que descreves aqui. Escrever coisas que mais ninguem entende não é necessariamente mau, penso eu.

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  5. uma coisa é sentir, outra é perceber. eu senti palavras e sentimentos deste texto mas n os percebi por nnca os ter vivido. mas sou eu a pensar assim.

    Eu nnca abdiquei dele e isso pode ter sido a causa do fim do meu relacionamento. eu ja existo ha 4 anos, ela ha 1 e tal. pensei q ele soubesse perceber as coisas...ou sou eu q sou uma exagerada... mas estou tranquila. e nao te qero incomodar ;)

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  6. Eu senti mas nao tentei sentir. Se é que me entendes. Entendes? xD

    Sim, sei que nada tem a ver com o tempo. As relaçoes sao totalmente diferentes. A verdade é que na altura em que ele começou o relacionamento nós estavamos chateados mas depois ele disse-me que lhe tinha falado de mm e de quem eramos. E eu sei que ela gosta de mim e eu gosto dela e é na paz. Eu no ano novo disse umas coisas que se calhar nao devia ter dito mas aí ela nao me pode julgar porque o namorado é o culpado.
    E acredita, se nos visses juntos, veriamos que podemos ser muita coisa mas nunca nao mais do que melhores amigos. É uma relaçao diferente mas so, apenas e sempre de amizade.
    E nao me importo de falar contigo, a verdade é que prefiro falar disto com pessoas que estao "por fora". So nao sei se este meio é o melhor, pq mtas pessoas nos podem ler.

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  7. Acho que atingiste o cerne da questão. Ele duvidar do que sinto por ele. Não é que eu ache que ele duvide, mas acho que as pessoas o fazem duvidar. Eu sinto que não somos quem eramos mas so estou como estou, por ele me ter prometido que iamos ser sempre os melhores amigos e que eu o teria sempre comigo. Mas parece que as promessas não sao cumpridas, como eu sempre cumpro. Well, são coisas que eu tento explicar mas nunca consigo.

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