desprezo. dás-me com desprezo e
eu vomito. engulo o vomito tantas vezes que o meu estômago é não mais que um
mar de degredo. morto. maciço. baço. uma réstia liquida onde descansa a morte.
o veneno. o nojo. poderia aguentar tempo sem fim, enquanto construo um castelo
de névoa e frio. é este o sítio onde habito. onde me guardo. sinto o dever que
chama dentro de mim. alimentar-me. castigo-me. engulo o que menos quero, mas
anseio-o no mesmo instante. a incerteza de que a morte não chega. de que o medo
fica ou parte. que o amor não vem. não estará lá em numero suficiente? o amor
pode contar-se e conter-se? ás vezes tento medi-lo. em força. quantos cortes aguentaria
ele? até ser amputado de vez? o braço? o pulso onde lhe sinto o batimento. a
mão que me tapa a boca e, me dá de comer. os dedos que me impedem o vomito. não
quero que saias. não quero sentir o vazio. o estômago em espuma branca quando
tudo o resto for. vai. feitiçaria. é tão bom queimar-me o corpo com café e sal.
e cortar-me o estômago com os dentes em brasa. queima-me a pele. castiga-me o
ser. confessa-me. diz que me torturas a alma e me carregas o corpo com veneno.
é assim tão doce a tentação? a loucura do pecado? é mais leve que a alma? quanto
pesa? quando mede? posso medi-lo? o degredo? o fim, o abismo, o poço? quantas
escadas serão até ver-se luz? desprezo. dás-me com desprezo e eu vomito. engulo
o vomito tantas vezes que o meu estômago é um banho de químicos. o que não
presta de mim. guardado nas profundezas da minha vergonha. as facas. as mortes.
o cancro. o amor. sonhei tantas vezes que julguei ter queimado todas as fichas.
o carrossel parou. se o meu sonho viaja, o estômago prende-o. joga-lhe a
memória e ela falta-lhe. será um feitiço todas as noites? será o degredo?
morto, maciço, baço, que não deixa o sonho ficar? penetrar? deixar ser leve,
além do peso que me transtorna. talvez mereça ser isto. o que me resta. não
fazer mais por mim. não ter mais ninguém por mim. resignar-me ao barulho das
tripas a contestar uma qualquer incapacidade de digestão. é tão difícil
destruir o escuro. o que não se vê. o meu maior medo é a faca com que me corto.
não chegar nunca ao sítio das coisas más. onde o cancro habita. não ter força
para cortar tudo. nem um só bocado. o meu maior medo sou eu. o criador de mim
mesmo. o organizador da matança. o escultor do abismo. o servo que me dá de
comer. que me impede o vómito. que segura o degredo dentro de mim. que me
impede de ser. ser só. desprezo. dás-me com desprezo e eu vomito. não percebo,
mas vomito. desentopes-me os canais e eu vomito. amo-te, mas vomito. amo-te.
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