Almas

20161119

que. é.


é difícil ser-se mais. gostava de entender a razão das coisas. um dia vou ser mineiro e encontrar carvão dentro de mim. e como uma mina explorada tornar-me nada finalmente. ser tóxico o suficiente para me acabar depois de servir de combustível para iluminar alguém. um dia serei doutor e encontrar doenças dentro de mim. ser a cura para a vida me acabar. ou seja, não fazer nada para combater o destino. deixar acontecer a vida na sua essência. é difícil. é difícil ser condenado. gostava de saber como as coisas me acontecem? por vezes penso que estarmos condenados à morte não é verdade. como castigo ou imposição estamos sim, condenados à vida. não a pedimos e provável é que quando a aceitemos, ela se vá. nunca acreditei em planos. nunca acreditei na felicidade. nunca acreditei na sorte. nunca acreditei em sonhos. e por erro vacilei. dei-me ao desplante de sorrir como se fosse dono de um império de células que me contaminavam com surpresas e magias. e remédios. e beijos. e abraços. não lamento a derrota de desaprender tudo o que julgo ter aprendido. aquilo que sei é uma farsa e tudo o que sinto é mutável. mutável à velocidade que se tiram as roupas para fazer amor. mutável à velocidade que o coração bombeia sopros de mágoa. tenho fome. a vida não nasce no ventre. aí nasce a fome. aí nascem borboletas que desaparecem com a chuva. aí nascem dores se os nervos são maiores que as paredes do corpo que te fecham. aí morre tudo o que é intenso e glorioso. no ventre. no estômago que dilata e remói porque estás longe e a apenas um segundo de me largares a mão e não me sentires mais. nos intestinos que se torcem e se entopem por não conseguires expulsar tudo o que nasce e temes. no fígado que te pede mais, mas lateja ainda da última vez, mas que se dane o risco do amanhã. hoje eu preciso de beber. e se a bexiga estiver lá e eu preciso de mijar então alguém me lembre como se usa porque eu já não sei amar. caralho, mas que tem isso a ver com deixar o corpo funcionar? é preciso usar os olhos mais vezes e enganar a utopia de sermos seres de bem. às vezes sei que uma reviravolta da vida, fará revelar em mim um homem morto. pouco falta para ser mau. se já me odeio por ser pouco e pequeno e gasto e preso e manso e um psicopata adormecido, o que falta é uma pilha no relógio biológico que me faça trabalhar ao melhor nível. adianta ser-se bom para descansar a consciência ou para ter uma consciência descansada? é que não adianta ser bom, se à noite tudo te dói, até o sono. e não adianta ser do bem, se tudo o que desejas se resume ao teu próprio eu. honestamente? genuíno? não somos todos hipócritas? não somos todos egoístas? somos os desejos de nós mesmos? não. não somos todos. mas eu sou. confesso. ser-me difícil. ser condenado. ser mais. esse cérebro que funcione em paz. que comande a vida, que a morte comando eu.

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