Almas

20160916

precisei de ti


hoje precisei de ti. preciso. hoje precisei da parte que me arriba a alma e me sopra ao de leve na face e a conquista por fim; da parte que me segura e se ri quando me vê. também me questiono todas as vezes se é real. se ainda é verdade. se é mesmo. será que sentes ainda por mim? será que sobrou algo para mim? não de mim, mas para mim. hoje eu precisei de ti, depois de tentar segurar-te. depois de me agarrar ao pedaço de insónia que se misturou com o balanço dos lençóis e o quente do corpo meio vestido, depois da guerra, oh depois da doença. madrugada. trabalho. hoje eu precisei de ti e senti a ignorância. serei uma peça de um puzzle inacabado de onde faltarão sempre peças que não deixas de procurar? sou uma peça, sou uma caixa, sou o que resta de quê? a parte viva que arde e magoa, ou a parte morta que descama, dilacera e deixa a mostra um osso carregado de dor e radioactividade. destrói. dói-me tanto. ver-te assim. e o que faço se mais não sei fazer? e o que dou se mais não sei o que dar? como te carrego quando não posso comigo? quem carrega comigo? quem me carrega quando preciso? hoje eu precisei de ti. há gatos hiperactivos que desaparecem nos mapas da vida, há sombras despidas que se mexem nos espelhos partidos da minha casa, há coisas para fazer. mas não me lembro que coisas são. foram. hoje não. hoje quero-me a mim e ao meu lugar. amanhã não preciso. se amanhã tiver já morrido. moribundo. se só preciso de um segundo para morrer. um instante, sigh. hoje precisei tanto. preciso. saí torcido no desespero ténue da fraqueza que me assola. às vezes fico assombrado. saio mar adentro, enterro os pés na areia se a alma não posso deixar, descalço tudo o que me pesa e tento sorrir. leve, sorrir agradecido pela dádiva de estar vivo. ah se o coração bate. emancipo o frio das águas e baptizo-me os pés, num bálsamo de constelações marítimas, estrelas invisíveis que se escondem submersas do pôr-do-sol. e corro mar adentro até onde o medo me deixa. o que me pode acontecer além do fim ultimo de morrer? talvez o melhor. perder-me. mas de quem? do quê? há algo realmente? será verdade? dúvidas? hoje precisei de ti e só o mar me pediu que ficasse, que me entregasse, que me despisse enquanto me despedisse das memórias que nos prendem. os crimes, as amarguras, os funerais, os enterros, as pessoas, os corpos, as almas. hoje precisei de ti e senti - não. hoje eu senti a solidão, o sono pesado, o declínio, o vício, a amargura, a tristeza. hoje eu senti demasiado e precisei. mas não. ninguém. de que tamanho é o sorriso que me vê chegar? varia com a distância cósmica das poeiras que nos erguem o corpo? em que dias te posso olhar? de que adianta ter uma casa se a porta se fecha? hoje eras tu e não eu; e eu entendo que hoje fosses tu; mas eu precisei de ti. e nem todos cedemos para nos darmos demais, para responder que eu estou, se tu estás, se tu precisas. oh eu precisei. e perguntei por Deus? e lembrei-me que era justo perguntar por unicórnios se nenhum dos dois foi visto antes. quem terá cornos para aparecer? hoje eu precisei, fui  um passageiro da noite e ressaquei na vaidade da minha expectativa. hoje eu precisei de mim. da parte que te entreguei. mas o que vai, não volta. eventualmente, és tu. e hoje eu precisei, de ti. e não. não arriscaste. depois do escuro, um novo dia. se preciso. for. tudo o que é preciso. preciso. de ti.


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