Almas

20160604

e esses gritos


e esses gritos que me acolheram ainda me habitam. visitam e visitam em horas vagas. traumático talvez. gritas o meu nome, imploras que a retire e enxugue. desculpa reviver as memórias. talvez haja uma parede fria para lá da minha visibilidade. às vezes tento proteger-me do suicídio. confesso que já não o sinto tão longe. pelo menos já sei a que sabe o sangue dos braços. desculpa as memórias, mas ninguém me poupa do cancro quando passa na tv. ser-se bom só interessa para um pequeno grão de gente numa selva de cimento. ser-se bom não interessa. não há uma recompensa, nem há castigo. ninguém se salva. que poderei eu ser realmente? mentiras. uma mentira. o que serei se não uma mentira, se desde a raiz fui enganado? e esses gritos que me acolhem e me habitam. visitam e sinto-me louco. ouço-os e não existem. mas ela grita desesperadamente. não por mim, por ela. por ela que ali está. mas sou eu que ouço, se ela já não pode ouvir nada. ela grita. grita e eu tento não ouvir para fingir que não adivinhei já o acontecido. de que serve existir sempre? de que serve estar lá, se tudo se vai? ainda saberei o caminho da tua casa? e se morares noutro canto? onde morarei eu quando não estiveres?

misturo assuntos.

e esses gritos que me acolheram existiram realmente. visitam-me realmente a qualquer hora em que me concentro no nada. ouço-te chorar como um fantasma que me implora por auxílio. e esses gritos são lágrimas de morte. visitam-me em vozes ruins. em tons sufocantes, asilados no profundo de mim. e o que faço eu com eles? mato-me ou cuido de ti? estou cansado de ser só dos outros. perdi-me dentro de ti. esqueci-me de mim. e esses gritos que me acolheram também são teus. tudo é teu dentro de mim. e esses gritos que me habitam. pelo menos já sei como choras a morte. e a que sabe o sangue dos braços. e como se abre uma vala para fazer um enterro. confesso que talvez a morte ande a pairar. desculpa as memórias, mas caso a morte venha, não as quero guardar. oh inocentes. fossemos todos inocentes como os animais que morrem. desculpa as memórias.

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