Almas

20161113

belos, unicórnios.


existem cores por baixo de uma manta verde escura. cores há que não sei o nome a que respiram. se têm alma própria, alimentam-se delas ou das cores de outro alguém? se pintasse um quadro só saberia usar o negro, se pintasse uma alma só o quereria evitar. se um dia saísse de noite e o céu tivesse cores que ainda não vi, talvez acreditasse ser um prado de magia. queria saber onde moram os unicórnios. onde pousam as borboletas. a que cheiram as joaninhas. e para onde vão as almas depois de morrer. às vezes queria alguém capaz de me mostrar o mundo, que me soprasse ao ouvido o relato da felicidade de tudo o que acontece. como um cego que precisa de sentir para ver, eu precisaria escutar uma voz para sentir a vida que me rodeia. os sons, o mar, as estrelas, os corpos. nus. quem não quer uma mão que não nos larga? uma boca que não nos evita? um olhar que não nos cobra o lamento? o silêncio. a vaidade. o anseio. a dádiva divina. e a fraqueza dos homens. se conhecesse uma virgem, fingiria ter a força de um cavalo e a pureza de um bebé. fingiria ser a representação do doce e o significado do belo mascarado nas vestes de uma fantasia medieval. gostava de morrer deitado. gostava de dormir agarrado a mulheres e homens e criaturas fantásticas. confesso ser egoísta a mais para amar de menos. não me concentro em mim se posso admirar os outros. se não domino a morte que me invade, necessito o deleite de uma musa que me encha de vida. desconfio que sou um traidor do meu próprio eu, deixo-me caçar pela mentira que sei que a é.  emancipo os poderes da feitiçaria, rogo aos desejos de um regaço abençoado. repouso, morena. deito-me, unicórnio, no teu colo enquanto me mentes com o que cantas em tua alma. se fosses a encarnação de Deus, fingiria ser o sangue da vida que combate o mal. a cura. a bondade. o ouro, a prata e o branco no só mesmo elemento. quero sair ao entardecer e fazer um gelado de nuvens. quero vir pra casa a correr e dar-to antes que derreta. quero colher raios de sol e plantar luz onde houver sombras. quero tocar no teu mundo e fazê-lo brilhar de novo. quero-te com luz e vida. e quero que me recolhas o esqueleto por fim. que me guardes os ossos na tua memória e me escrevas. que nas minhas ossadas risques o teu nome como se me possuísses. que beijasses nos meus restos de pele e lá cravasses todas as tuas lendas mágicas. tudo o que sonhas poderia ter lugar no meu corpo. e por fim o usasses de novo. para curar tudo o que o negro pintou. que me pegasses no corno, unum, e o inocentasses com desejos escondidos. perversos. solitários. quentes. molhados. posso dizer-te que me uses. posso deixar que me laves a alma. posso pedir-te que me leves contigo protegido pelas costelas que te guardam a vida. posso aprender magia e cavalgar perdido no espaço das memórias que criarmos. quero ser mais feliz que Deus. quero ser mais perfeito do que o belo. quero ser mágico e espalhar cores na tua mente. encontrar-me contigo num céu cor-de-rosa, num fim de tarde de outono e beijar-te a pele salgada onde mutilas a alma. dar-te as mãos onde transpiram poemas e fazer de nós. dunas. versos. crianças. amor. unicórnios. realizar-nos por fim, belos, unicórnios.

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