hoje precisei de ti. preciso.
hoje precisei da parte que me arriba a alma e me sopra ao de leve na face e a conquista por fim; da
parte que me segura e se ri quando me vê. também me questiono todas as vezes se
é real. se ainda é verdade. se é mesmo. será que sentes ainda por mim? será que
sobrou algo para mim? não de mim, mas para mim. hoje eu precisei de ti, depois
de tentar segurar-te. depois de me agarrar ao pedaço de insónia que se misturou
com o balanço dos lençóis e o quente do corpo meio vestido, depois da guerra,
oh depois da doença. madrugada. trabalho. hoje eu precisei de ti e senti a ignorância.
serei uma peça de um puzzle inacabado de onde faltarão sempre peças que não
deixas de procurar? sou uma peça, sou uma caixa, sou o que resta de quê? a
parte viva que arde e magoa, ou a parte morta que descama, dilacera e deixa a
mostra um osso carregado de dor e radioactividade. destrói. dói-me tanto.
ver-te assim. e o que faço se mais não sei fazer? e o que dou se mais não sei o
que dar? como te carrego quando não posso comigo? quem carrega comigo? quem me carrega quando preciso? hoje eu precisei de ti. há
gatos hiperactivos que desaparecem nos mapas da vida, há sombras despidas que
se mexem nos espelhos partidos da minha casa, há coisas para fazer. mas não me lembro que coisas são. foram. hoje não. hoje
quero-me a mim e ao meu lugar. amanhã não preciso. se amanhã tiver já morrido. moribundo.
se só preciso de um segundo para morrer. um instante, sigh. hoje precisei
tanto. preciso. saí torcido no desespero ténue da fraqueza que me assola. às
vezes fico assombrado. saio mar adentro, enterro os pés na areia se a alma não
posso deixar, descalço tudo o que me pesa e tento sorrir. leve, sorrir
agradecido pela dádiva de estar vivo. ah se o coração bate. emancipo o frio das
águas e baptizo-me os pés, num bálsamo de constelações marítimas, estrelas invisíveis
que se escondem submersas do pôr-do-sol. e corro mar adentro até onde o medo me
deixa. o que me pode acontecer além do fim ultimo de morrer? talvez o melhor.
perder-me. mas de quem? do quê? há algo realmente? será verdade? dúvidas? hoje
precisei de ti e só o mar me pediu que ficasse, que me entregasse, que me
despisse enquanto me despedisse das memórias que nos prendem. os crimes, as
amarguras, os funerais, os enterros, as pessoas, os corpos, as almas. hoje
precisei de ti e senti - não. hoje eu senti a solidão, o sono pesado, o
declínio, o vício, a amargura, a tristeza. hoje eu senti demasiado e precisei. mas
não. ninguém. de que tamanho é o sorriso que me vê chegar? varia com a
distância cósmica das poeiras que nos erguem o corpo? em que dias te posso olhar? de que adianta ter uma
casa se a porta se fecha? hoje eras tu e não eu; e eu entendo que hoje fosses
tu; mas eu precisei de ti. e nem todos cedemos para nos darmos demais, para
responder que eu estou, se tu estás, se tu precisas. oh eu precisei. e
perguntei por Deus? e lembrei-me que era justo perguntar por unicórnios se nenhum
dos dois foi visto antes. quem terá cornos para aparecer? hoje eu precisei,
fui um passageiro da noite e ressaquei
na vaidade da minha expectativa. hoje eu precisei de mim. da parte que te
entreguei. mas o que vai, não volta. eventualmente, és tu. e hoje eu precisei,
de ti. e não. não arriscaste. depois do escuro, um novo dia. se preciso. for. tudo o que é preciso. preciso. de ti.
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